segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Como os jornais brasileiros noticiaram o golpe de 1964

Alguns são tão esfuziantes ao noticiar o início da ditadura no Brasil, que descrevem o golpe num clima carnavalesco com o povo na rua ovacionando os militares numa alegria desmedida. Outros afirmam que o golpe era um desejo do povo brasileiro, pelo bem do Brasil, com ele a paz foi alcançada e que a nação enfim vive dias gloriosos, pois feliz a nação que pode contar com corporações militares de tão altos índices cívicos.


Confiram algumas manchetes, trechos de matérias e editoriais:


"O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta!"
(Correio da Manhã - 31 de Março de 1964)

“Desde ontem se instalou no País a verdadeira legalidade... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”
(Editorial do Jornal do Brasil - RJ - 1º de Abril de 1964)

"Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: Saia!"
(Correio da Manhã - 1º de Abril de 1964)

“Golpe? É crime só punível pela deposição pura e simples do presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada”.
(Jornal do Brasil - 1º de abril de 1964)

"Minas desta vez está conosco"... "dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições."
(O Estado de São Paulo - 1º de Abril de 1964)

"Dezenas de automóveis trafegaram pelo centro da cidade, tocando suas businas, em sinal de alegria pela vitória da democracia em todo o país. As estações de rádio e televisão, que estavam sob censura, iniciaram suas transmissões normais, pouco depois das 17 horas. Os contingentes de fuzileiros navais que ocupavam as redações de alguns jornais, foram recolhidos aos quartéis. (...) A população de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis picados caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu contentamento."
(O Dia - RJ - 2 de Abril de 1964)

“Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos”
(O Globo - RJ - 2 de Abril de 1964)

“Multidões em júbilo na Praça da Liberdade. Ovacionados o governador do estado e chefes militares. O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade. Toda área localizada em frente à sede do governo mineiro foi totalmente tomada por enorme multidão, que ali acorreu para festejar o êxito da campanha deflagrada em Minas (...), formando uma das maiores massas humanas já vistas na cidade”
(O Estado de Minas - BH - 2 de abril de 1964)

“Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais”
(O Globo - RJ - 2 de Abril de 1964)

“Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr. João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou, o Sr. João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu."
(Tribuna da Imprensa - RJ - 2 de Abril de 1964)

"Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada. (...) Atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso, as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal".
(O Globo - 02 de Abril de 1964)

"Lacerda anuncia volta do país à democracia."
(Correio da manhã - 2 de Abril de 1964)

“A paz alcançada. A vitória da causa democrática abre o país a perspectiva de trabalhar em paz e de vencer as graves dificuldades atuais. Não se pode, evidentemente, aceitar que essa perspectiva seja toldada, que os ânimos sejam postos a fogo. Assim o querem as Forças Armadas, assim o quer o povo brasileiro e assim deverá ser, pelo bem do Brasil”
(O Povo - Fortaleza - editorial de 3 de Abril de 1964)

“Ressurge a democracia! Vive a nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições. Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ter a garantia da subversão, a ancora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da nação horrorizada...”
(O Globo - RJ - 4 de Abril de 1964)

"A Revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista".
(O Globo - RJ - 5 de Abril de 1964)

"Feliz a nação que pode contar com corporações militares de tão altos índices cívicos. (...) Os militares não deverão ensarilhar suas armas antes que emudeçam as vozes da corrupção e da traição à pátria."
(O Estado de Minas - 5 de Abril de 1964)

"Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la!"
(Jornal do Brasil - 06 de Abril de 1964 - declaração de Pontes de Miranda)

“Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República. (...) O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve”
(Correio Braziliense - Brasília - 16 de Abril de 1964)

“Vibrante manifestação sem precedentes na história de Santa Maria para homenagear as Forças Armadas. Cinquenta mil pessoas na Marcha Cívica do Agradecimento”
(A Razão - Santa Maria - RS - 17 de Abril de 1964)

"Congresso concorda em aprovar Ato Institucional".
(Jornal do Brasil - 09 de Abril de 1964)

“Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer e afirmar-se. Negue-se tudo a essa revolução brasileira, menos que ela não moveu o País, com o apoio de todas as classes representativas, numa direção que já a destaca entre as nações com parcela maior de responsabilidades”.
(Jornal do Brasil - RJ - editorial de 31 de Março de 1973)

"Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada".
(O Globo - 07 de outubro de 1984 - editorial do jornalista Roberto Marinho, sob o título: Julgamento da Revolução)

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Tortura e Verdade

por Emiliano José

A pretensão de sepultar o assunto da tortura, do assassinato e do desaparecimento de pessoas durante a ditadura é vã. É sempre o velho gesto de jogar a sujeira para debaixo do tapete, tentar ignorar os fatos da história. Eles voltam, os fatos, por mais que se faça a tentativa de ignorá-los. Até porque, não houvesse outros aspectos mais amplos, há a dor, a viuvez de tanta gente, a mãe que ainda chora, o filho ou a filha que não viu o pai, as tantas pessoas que não puderam sequer enterrar os seus entes queridos, enterrados ninguém sabe onde, assassinados sempre de maneira cruel, sempre sob a covardia da tortura.

Novamente, e mais uma vez, logo que a nova ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, defendeu a aprovação pelo Congresso Nacional da Comissão da Verdade para esclarecer os crimes cometidos contra adversários políticos durante a ditadura, vozes dentro do próprio governo federal se levantaram para contraditá-la. Isso já havia ocorrido, e faz pouco tempo, quando o então ministro Paulo Vannuchi defendera posição semelhante, inclusive a imprescritibilidade do crime da tortura. Creio que é preciso situar corretamente a questão para não incorrermos em equívocos históricos e conceituais. E reafirmar que o crime de tortura é imprescritível e que nenhuma nação pode deixar de apurar os crimes cometidos durante uma ditadura. Tal procedimento é da tradição democrática.

A crueldade dos defensores da ditadura

O general José Élito Siqueira saiu-se com o argumento de que sendo o 31 de março um dado histórico, “os desaparecidos são história da nação, de que nós não temos que nos envergonhar ou vangloriar”. O raciocínio é pobre e equivocado. E carrega a crueldade dos defensores da ditadura. Imaginemos que alguém, depois da derrota de Hitler, viesse a público para dizer que o nazismo era simplesmente um fato histórico e que os fornos de Auschwitz não deveriam representar qualquer vergonha e nem deveriam ser motivo de vanglória.

A ditadura é um dado histórico que envergonha profundamente a nação brasileira. Diante dela, ninguém que professe a democracia e que seja fiel à história pode ficar indiferente e deixar de repudiá-la até para que nunca mais se repita. E os seus crimes devem e têm que ser apurados, como têm feito nossos irmãos latino-americanos, como o fizeram os democratas e comunistas que venceram a batalha contra o nazismo.

O ministro Nelson Jobim, que sempre teve lado nesse caso, disse que a Comissão da Verdade deveria também avaliar as ações desenvolvidas pelos “movimentos guerrilheiros”, como ele chamou. Decerto está querendo que os milhares de torturados, presos, e condenados sejam submetidos, quem sabe a novos julgamentos e a novas punições. O que as diversas organizações políticas de luta contra a ditadura faziam, não custa lembrar isso a um Jobim que um dia se disse constitucionalista, era exercer o direito de insurgência e resistência que é próprio do liberalismo moderno. Do liberalismo, insistamos. Talvez fosse o caso de lembrar a luta armada que determinou o surgimento dos EUA, para não darmos dezenas de outros exemplos. A ditadura rompeu com o Estado de Direito pela violência, de modo ilegal, e era um direito básico o da insurgência.

No raciocínio do general e de Jobim, caberia rever a história mundial recente, e julgar todos os que se envolveram no impressionante movimento anticolonial, que determinou a libertação de tantos países mundo afora, particularmente no território africano. O que se cobra, o que se tem feito em toda a América Latina é o julgamento dos que cometeram genocídios, dos que mataram covardemente pessoas na tortura, que fizeram desaparecer pessoas, e o exemplo mais recente é o de Rafael Videla, condenado à prisão perpétua na Argentina. A anistia, como determinou recentemente a OEA em relação ao Brasil, não alcança torturadores, contrariamente à opinião do STF.

O passado nunca está morto

Uma nação não pode sufocar a verdade. E nem pretender deixar de ajuizar todos os fatos históricos. Alguém poderia justificar a escravidão, a ignomínia da escravidão no Brasil? Não. Como não pode deixar de repudiar, de levantar todos os crimes cometidos pelos agentes da ditadura que torturaram e mataram pessoas. Só isso. Paulo Sérgio Pinheiro escreveu artigo recente no jornal Folha de S. Paulo onde apropriadamente diz que o passado nunca está morto.

Mais: quanto a este assunto, nem passado é ainda. Ainda recuperando o que diz o ex-secretário de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique Cardoso, cabe lembrar que o pai do general-presidente da ditadura, João Batista de Figueiredo, então deputado Euclydes Figueiredo, em 1946, requereu a criação de uma comissão de inquérito que examinasse os crimes do Estado Novo. A comissão, a primeira comissão da verdade, foi criada, mas não funcionou por falta de quorum – ou seja, não havia vontade política suficiente para fazê-la funcionar.

A Comissão da Verdade proposta pelo então presidente Lula, acolhendo sugestão do ministro Paulo Vannuchi, visa o esclarecimento histórico dos horrores praticados pela ditadura, situando tudo no contexto ampliado daquela circunstância histórica de triste memória. Não tem caráter de revanche. Não tem qualquer mandato judicial. Não há, ali, réus sendo julgados. Só pretende a verdade, não mais do que a verdade. A nós, e parafraseio Gramsci, só interessa única e exclusivamente a verdade. Esta Comissão, como também revela Paulo Sérgio Pinheiro, acolhe o melhor das 40 comissões da verdade no mundo, a indicar o quão ampla é, e o quanto tem sido normal o procedimento. Argentina, Chile, Bolívia, Peru, por exemplo, viveram essa experiência.

A pergunta que não quer calar é: quem tem medo da verdade?

Artigo publicado hoje no site:
http://www.cartacapital.com.br/destaques_carta_capital/tortura-e-verdade

Quem quiser ler o artigo de Paulo Sérgio Pinheiro, Algozes da Verdade, citado no artigo de Emiliano, está disponível no link:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=625CID004

Reproduzido da seção "Tendências/Debates" da Folha de S.Paulo, 17/1/2011.
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Emiliano José
é jornalista, escritor, doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela
Universidade Federal da Bahia.
www.emilianojose.com.br

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O dia 20 de janeiro de 1971

por Marcelo Rubens Paiva

Há 40 anos, à noite, duas mulheres foram presas ao desembarcar no Galeão, de um voo vindo do Chile.
Uma foi visitar o filho. A outra, a irmã, casada com ele. Exilados em Santiago, onde se reunia grande parte dos brasileiros perseguidos e banidos pelo regime militar, sob a proteção da ainda democracia de Allende.
Exilados e agentes duplos.
O voo era monitorado por agentes da Cisa, Centro de Informações da Aeronáutica, cuja sede era na Base Aérea do Galeão, ao lado. Havia informações de que as duas senhoras traziam cartas para amigos e familiares dos “terroristas”.
Foram presas dentro do avião e revistadas na Aeronáutica.
Encontraram, entre algumas cartas, duas para um tal Raul, com o telefone dele anotado no envelope.
Uma de agradecimento, de uma ex-estudante envolvida com o MR-8, que Raul ajudou a tirar do Brasil (filha de um dos seus melhores amigos).
Outra com uma análise sobre a luta armada e os exilados.
Raul era o codinome do meu pai.
Que, como muitos brasileiros, combatia a ditadura do jeito que dava: escondia perseguidos, tirava-os do Brasil por rotas secretas, dava passaporte falso, dinheiro, mandava relatos para a imprensa internacional (a daqui era censurada) sobre torturas e abusos dos direitos humanos.
Era parte da chamada “rede de apoio”, empresários, professores, cassados, profissionais liberais, cuja maioria nem defendia a luta armada, mas sabia que algo deveria ser feito, para mostrar que uma ditadura não pode passar sem resistência.

No dia seguinte, dia 20 de janeiro de 1971, nossa casa foi cercada e invadida.
Há exatos 40 anos.
Traziam metralhadoras e granadas.
Esperavam encontrar um aparelho subversivo na orla do Leblon.
Mas era apenas a casa de um casal jovem, de 41 anos, com 5 filhos pequenos, que se preparava para ir à praia, no feriado de São Sebastião.

Levaram Raul embora, mas parte da equipe ficou na casa.
Quem chegasse, era preso também.
Pulei o muro escondido, para levar um bilhete à vizinha. Dei a volta na quadra, para escapar dos olhos dos agentes. Bilhete escrito pela minha mãe, que avisava da prisão e pedia para ninguém aparecer.
Meu pai foi levado para o CISA e lá foi torturado.
No dia seguinte, o DOI/Codi, do Exército, que centralizava as operações de repressão política, soube que havia um “peixe grande” com a Aeronáutica, e o transferiu para as suas dependências, sede do I Exército.
E continuou a torturá-lo.
Sem sucesso, pelo visto, pois para lá levaram minha mãe e irmã de 14 anos.
Mas era tarde demais. Ele morrera.
Minha irmã foi liberada no dia seguinte.
Minha mãe, só 13 dias depois.
Que começou a luta que durou uma vida.
O Exército no início não admitia a prisão dele nem delas.
Depois, montou uma farsa, de que ele tinha fugido.
Sabemos hoje que ele morreu dois dias depois.
Tem-se até os nomes de quem o matou, sob o comando de quem.
Quanto ao seu corpo, há testemunhas de que fora enterrado no Recreio dos Bandeirantes, no Alto da Boa Vista, na Rio Santos, jogado de um avião, esquartejado...
É mais um na lista dos desaparecidos políticos.
Dia 20 de janeiro é o dia em que a família decretou a data de sua morte.
Não temos um jazigo, mas temos uma data artificial.
A morte requer rituais.
E a força da família se mobilizou para a Anistia, o fim da ditadura e muitas outras lutas.

Há 40 anos, este caso não se encerra.
Pois se o Estado não quer, assim será.
Sob as incongruências da Lei da Anistia, o Brasil nos pede para virar a página e esquecer.
Não, não dá para esquecer.

Segredo de Estado, o desaparecimento de Rubens Paiva

Rio de Janeiro, verão de 1971. A casa do ex-deputado e pai de cinco filhos Rubens Paiva é invadida por agentes do serviço secreto do governo militar. Ele é levado para prestar depoimento e não volta mais. Amigos e familiares se lançam numa mobilização febril para tentar localizá-lo e desvendar o que está por trás do súbito acontecimento. Por que ele foi preso? Para onde foi levado? Quando voltará?

"Vai ser apenas um depoimento de rotina", disseram os policiais que o levaram de sua casa naquela ensolarada manhã carioca. Assim começou a jornada kafkiana de Rubens Paiva pelo submundo da repressão política, no auge da ditadura militar. Uma história comovente e espantosa, pela primeira vez reconstituída em todos os detalhes.

O Livro
Com uma estrutura narrativa não linear, Jason Tércio associa técnicas de romance, biografia e reportagem à crônica histórica, para conduzir o leitor pelo labirinto de incertezas e intrigas que envolveram esse caso, ao mesmo tempo em que revela os principais momentos da vida de Rubens Paiva como político, empresário e pai de família. Uma trajetória marcada pelo espírito inconformista e por um determinado anseio de liberdade e justiça.

Escrito em linguagem literária, mas apoiado numa minuciosa pesquisa, Segredo de Estado ressalta os aspectos humanos do caso, entrelaçados ao contexto político e social, tendo como pano de fundo os bastidores do golpe militar e episódios inéditos da conjuntura subsequente. Um livro que esclarece vários pontos sobre este que é o mais controvertido dos desaparecimentos políticos ocorridos durante o regime militar.

O lançamento do livro será amanhã (quarta-feira, 26), às 19h, na livraria Argumento no Rio de Janeiro.

40 anos do desaparecimento de Rubens Paiva
No dia 26 de março em São Paulo, uma
homenagem a Rubens Paiva será realizada com a abertura de uma exposição no Memorial da Resistência de São Paulo, organizada pelo Ministério dos Direitos Humanos.
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Jason Tércio
É jornalista e autor dos livros Órfão da tempestade, Os escolhidos, A pátria que pariu, A Espada e a Balança, crime e política no banco dos réus, além da peça Sonhos de uma noite de sufoco, vencedora do Prêmio Cidade de Belo Horizonte. Foi redator de diversos órgãos de imprensa, entre eles Jornal do Brasil, O Globo e BBC.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Contribuição do livro “Habeas Corpus” para a Comissão da Verdade

O livro “Habeas Corpus - Que se apresente o corpo”, recém-lançado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, será um importante instrumento para a futura Comissão Nacional da Verdade, que terá o papel de restaurar a verdade sobre a ditadura militar. Carlos Azevedo, editor-chefe da redação responsável pelo trabalho, entende que a grande contribuição é fazer a sistematização de um material acumulado ao longo de décadas. “Poderia dizer que é um trabalho de 40 anos de apuração. Foram se somando os documentos levantados pela sociedade desde que se abriram alguns arquivos, com o fim da ditadura. Nos últimos anos, a Secretaria de Direitos Humanos teve um papel de acelerar essa sistematização”, avalia.

Azevedo ressalta que os esforços do Ministério Público Federal em São Paulo como centrais para esse levantamento de dados foi importante para o trabalho. O livro teve como foco recontar a história de 184 desaparecidos políticos. Por isso, o esforço de compilação do material trará importantes subsídios ao trabalho da Comissão da Verdade. Enviado ao Congresso no ano passado, o Projeto de Lei 7376 prevê a apuração dos crimes cometidos pelo Estado entre 1946 e 1988.

A comissão a ser criada pela Casa Civil teria sete integrantes indicados pelo presidente da República que tenham como pré-requisito o “respeito aos direitos humanos”. Em 2007, a Secretaria de Direitos Humanos lançou os livros da série “O direito à memória e à verdade”, que se tornaram um importante material de referência para esclarecer alguns dos episódios da ditadura. Azevedo avalia que “Habeas Corpus” é a sequência deste esforço de apuração, reunindo documentos e fatos surgidos ao longo dos últimos anos.

Romeu Tuma, o coveiro da ditadura 
Além da história de 184 desaparecidos políticos, a obra soma os avanços obtidos nas buscas por corpos no Araguaia e joga novas luzes sobre o papel de Romeu Tuma no aparato repressor. Como narrado pela repórter Marina Amaral, o livro reforça o papel do político falecido no ano passado na produção de atestados de óbito com nomes falsos, na simulação de “suicídios” e “tiroteios” em inquéritos, na ocultação dos fatos que levaram à morte de dezenas de desaparecidos e no sumiço de seus corpos. “Os depoimentos dos camponeses do Araguaia indicavam que o Tuma ia à região, com o nome de delegado Silva, e que sua equipe era especializada em ocultação de cadáveres. Ou seja, o grande coveiro da ditadura”, pondera Azevedo.

A ocultação de corpos é, sob a legislação internacional, um crime continuado, ou seja, não prescreve enquanto não for localizada a vítima. É esse um dos fundamentos da decisão proferida no último mês de dezembro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que definiu que o Estado brasileiro é culpado por não haver solucionado esse capítulo da ditadura. Ao analisar os crimes cometidos por militares no episódio da Guerrilha do Araguaia, a entidade integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA) determinou que o Brasil adote as medidas necessárias a virar esta página da história, entre elas a punição dos torturadores.

Apresente-se o corpo
O título de “Habeas Corpus” transforma-se, portanto, numa interessante sugestão, à medida que resgata o sentido original da expressão em latim que significa “apresente-se o corpo”. “É uma provocação. Não para os militares em especial, mas para a sociedade como um todo, para que se dê conta de que é preciso encontrar os corpos para poder virar essa página”, pontua o organizador da obra.

Paulo Vannuchi, ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos, aponta na apresentação do trabalho que há uma dívida inegável que precisa ser resgatada. “O reconhecimento da responsabilidade do Estado pelas violações de Direitos Humanos praticadas durante a ditadura já está consolidado. Mas ainda faltam alguns passos indispensáveis para que se considere plenamente concluída a longa transição para uma democracia irreversível.”

por João Peres - Rede Brasil Atual

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Reparação às vítimas da ditadura pode sair até o fim do governo

Além da discussão sobre a Comissão da Verdade, que envolve os mortos e os desaparecidos durante o regime de exceção no país (1964-1985), a presidente Dilma Rousseff herdou de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, aproximadamente 21 mil processos de pedidos de indenização às vítimas da ditadura militar. Apesar de a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça ter julgado, entre 2007 e 2010, cerca de 10 mil casos anualmente - entre 2001 e 2006 a média foi de 4,4 mil -, os requerimentos se acumularam no ano passado por falta de funcionários.

Nessa última década, 66,4 mil processos foram apreciados e mais de 35 mil pessoas ganharam o direito à reparação econômica ou recuperaram seus direitos políticos e previdenciários.


A pretensão do governo era terminar a análise de todo os processos até o ano passado, mas a falta de funcionários administrativos atrasou a meta. A lei que obriga os órgãos públicos a dispensarem tercerizados, em vigor desde 2010, esvaziou os quadros da Comissão de Anistia. Os antigos funcionários estão sendo substituídos gradualmente por concursados, o que tem atrasado o julgamento dos processos.

A Comissão de Anistia ainda está elaborando seu último balanço anual e não possui números fechados sobre quantos processos deve julgar este ano. Porém, nos armários do órgão estão pelo menos 14 mil casos a serem analisados e cerca de 7 mil requerimentos, principalmente referentes à revisão de benefícios. O último balanço, realizado no primeiro semestre de 2010, mostrava que o governo desembolsou R$ 2,4 bilhões para ressarcimentos. Cada uma das vítimas recebeu entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão de indenização do Estado e, em alguns casos, terão pensão vitalícia.

Polêmicas
Muitos dos casos que ainda serão julgados são polêmicos. Alguns incluem a indenização dos desaparecidos políticos durante a Guerrilha do Araguaia, ocorrida na Região Amazônica entre as décadas de 1960 e de 1970. Em dezembro do ano passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Estado brasileiro reconheça os militantes e os camponeses que morreram no episódio. Com isso, a Justiça terá que decidir sobre os pedidos de ressarcimento feitos por familiares de 45 pessoas assassinadas na época.

Na ocasião, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, comemorou, por meio de nota, a sentença da Corte Interamericana. “Essa decisão demarca a superioridade da jurisdição internacional dos direitos humanos sobre as decisões judiciais do país que afrontem as suas determinações”, afirmou, ressaltando que o caso representava uma boa oportunidade de o Judiciário rever algumas medidas tomadas em relação ao tema. “É indispensável, portanto, que a decisão da Corte Interamericana dos Direitos Humanos no caso Araguaia seja integralmente cumprida pelo Estado brasileiro”, acrescentava a nota.

Criada em 2001 para reconhecer e indenizar pessoas vítimas do regime militar, a Comissão de Anistia restabeleceu os direitos de personalidades da história brasileira, como o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que perdeu cargo no então Ministério da Educação e Cultura e depois se exilou no Chile. A comissão deu à sua viúva, Maria Nakano, uma pensão mensal de R$ 2,2 mil, além de um ressarcimento de R$ 207 mil. Mas houve casos controversos, como o do cartunista Ziraldo Alves, que recebeu mais de R$ 1 milhão, e do jornalista Carlos Heitor Cony, que ganhou indenização semelhante à de Ziraldo.

Reparação
A Comissão de Anistia, além do ressarcimento financeiro à vítimas do regime militar, faz outros tipos de reparação, como o pedido oficial do Estado brasileiro, que representa a anistia em si. Além disso, possibilita o retorno aos estudos das pessoas que se ausentaram do país durante a ditadura e tiveram que deixar suas faculdades no país. A partir da aprovação do processo, o período de trabalho no exterior também passa a contar como tempo de serviço no Brasil para fins de aposentadoria.

(Publicação do Correio Braziliense)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Período da ditadura será o tema da próxima novela do SBT

Nos estúdios do SBT, em São Paulo, a produção da novela já trabalha em ritmo intenso. O elenco está tendo aulas e palestras sobre o período da ditadura militar.

A trama será a primeira na televisão brasileira a se passar inteiramente na época da ditadura militar, entre as décadas de 60 e 70, e pretende falar de um assunto polêmico que envolve muitos acontecimentos desse período no Brasil.

O autor da próxima novela do SBT, Tiago Santiago, "Amor e Revolução", que será ambientada na época do militarismo, deseja que a presidenta Dilma Rousseff apareça em sua trama.


Santiago pediu para a atriz Lúcia Veríssimo, que está no elenco, (Lúcia interpreta Jandira, uma mulher forte, guerrilheira, que luta contra os ditadores. Uma guerrilheira apaixonada por outro guerrilheiro. O amor deles tem uma conotação extremista por conta da tensão. A morte ronda as personagens o tempo todo) para conversar com Dilma para que ela dê seu depoimento, já que a novela conta com depoimentos reais de pessoas que acompanharam o período no Brasil.

O autor gostaria que a atual presidenta da república fosse uma de suas fontes. Duas ex-companheiras de prisão de Dilma já aceitaram o convite e contarão suas histórias na novela.


Para que tudo saia perfeito, os atores participaram de um workshop com pessoas que viveram na pele a ditadura, além de fazer um treinamento militar que dará ainda mais veracidade à trama.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Da irreparável tragédia que foi morrer de amor pelo Brasil

por Miguel Nicolelis

A voz suave e familiar - da mulher amiga e irmã - repetiu uma vez mais a frase, talvez nem pela necessidade de ênfase, mas para ter certeza de que a pitada de sabedoria nela contida não fosse subestimada ou esquecida. "A nossa vida não é nada mais que a soma dos nossos amores."

Dita assim, de surpresa, no final de
uma conversa telefônica, no princípio da madrugada, ninguém suspeitaria, nem mesmo a autora, de que ali se encontrava um novo fio da meada para abordar um dos capítulos mais trágicos e vergonhosos da história brasileira, aquele cuja solução definitiva não pôde mais ser adiada, ou pior, empurrada com a barriga, como tem sido, sob pena de se cristalizar uma chaga incurável, um obstáculo moral intransponível para a construção de uma nação verdadeira e justa.

Em sua autobiografia, Nelson Mandela diz que se conhece a alma de um país pela forma como os seus presos são tratados. Parafraseando-o, eu modestamente acrescentaria que se pode também quantificar o caráter de uma nação pela maneira como retribui àqueles que lhe deram voluntária ou involuntariamente, a dádiva maior, a própria vida, pelo simples crime de amá-la demais. Pois se a vida de cada um de nós é construída sobre os alicerces dos nossos encontros e desencontros amorosos, também são os atos anônimos e inocentes de amor incondicional que esculpem o coração imaginário de toda uma nação. E não há prova maior de amor do que a perda da própria vida, a renúncia ao g
ozo da existência, da perda da luz do sol de cada dia e do brilho da lua de cada noite, a remoção forçada da convivência com tantos outros amores em prol de um ideal utópico de liberdade, igualdade e fraternidade que move a mente de alguns homens e mulheres, desde os tempos imemoriais dos nossos primeiros passeios de mãos dadas, sob os céus estrelados das savanas africanas.

Sem inúmeros, generosos e sinceros atos de amor não existiria uma nação brasileira para con
tar essa história trágica. Mas qual terá sido a retribuição dada, até o presente momento, àqueles que optaram ou foram violentamente conduzidos ao sacrifício máximo, apenas por dedicar a sua paixão a essa mulher maravilhosa e sedutora chamada Pátria Brasil? Que destino foi reservado àqueles (e aos seus outros amores) que pereceram (ou se tornaram prisioneiros pérpetuos) nos porões sórdidos de um país por eles tão querido e tão amado durante os anos de chumbo da ditadura militar instalada com o golpe de 1964? Para obter uma resposta basta-nos rever brevemente a saga de dois jovens que se apaixonaram perdidamente por essa mulher e como ela lhes retribuiu esse amor juvenil.

O caso de amor do primeiro deles,
Antônio Carlos Cabral, me foi relatado no meu primeiro dia como aluno da Faculdade de Medicina na USP (FMU-SP), 32 anos atrás, em um folheto apócrifo e anônimo deixado no meu amário de calouro. Desse, eu só me lembro do título que permaneceu impresso na minha memória por todos esses anos "Cabral, vive!".

Nascido em São Paulo, em 14 de outubro de 1948, Cabral era aluno de graduação e presidente do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz da FMU-SP, uma das mais combativas entidades do movimento de resistência estudantil à ditadura. De acordo com os dados disponibilizados pelo Grupo Tortura Nunca Mais/RJ (GTNM/RJ) e pelo Dossiê dos Mortos de Desaparecidos Político no Brasil, Cabral era militante da Ação Libertadora N
acional (ALN) e membro do Show Medicina, a trupe artística e irreverente da FMU-SP. De acordo com os documentos oficiais da ditadura, Cabral morreu durante tiroteio com a polícia, no dia 12 de abril de 1972, numa vizinhança do Rio de Janeiro. Como era hábito na época, nenhum dos fatos apurados subsequentemente corroboraram essa versão. Vizinhos que testemunharam a sua prisão desmentem a versão do tiroteio. Apesar do laudo da necropsia de Cabral, assinada pelos legistas Olympio Pereira da Silva e Jorge Nunes Amorim, determinar a causa da morte como resultante de ferimentos penetrantes fatais produzidos por arma de fogo, fotos do corpo, posteriormente encontradas nos arquivos do IML-RJ, exibem claros sinais de sevícias brutais, evidenciadas por placas de escoriações distribuídas pelas mãos, braços, tórax, face e fronte. Entregue em um caixão lacrado e com ordens para que esse não fosse aberto, o corpo mortal de Cabral voltou ao solo da pátria que ele tanto amou, tatuado pela conveniente tarja de "terrorista", o código que as ditaduras usam para justificar o assassinato de seus inimigos, a vasta maioria deles civis inocentes, sejam eles brasileiros, iraquianos, afegãos ou membros de qualquer outro povo lutando pela sua liberdade.

Eu lhe pergunto, meu caro leitor, que amante retribuiria assim o amor tão profundo que lhes oferecia um jovem brilhante de 25
anos, querido por pais, familiares, amigos e colegas estudantes? Cabral podia ter sido eu ou você, um de nossos filhos, netos ou nosso irmão.

A história de um segundo jovem apaixonado pelo Brasil chegou a mim pelas mãos generosas da minha querida irmã baiana, a jornalista Mariluce de Souza Moura, que me ajudava a coletar informações sobre meu colega Cabral. Nascido em Ituiutaba, Minas Gerais, em 8 de julho de 1949, Gildo Macedo Lacerda morreu em Recife, em 1973, no final do período que ficou conhecido como "outubro sangrento". Outra liderança histórica do movimento estudantil da época. Gildo era militante da Ação Popular (AP). Depois de atuar no movimento estudantil de Minas, ser preso no Congresso da UNE em Ibiúna e de ser eleito vice-presidente dessa entidade em 1969, Gildo foi obrigado a cair na clandestinidade para se evadir da caçada nacional lançada pela polícia da ditadura. Transferido para Salvador pela AP, Gildo começou seu trabalho de organizar estudantes e trabalhadores. Em junho de 1972, Gildo encontrou outro dos seus grandes amores, a jovem Mariluce Moura, com quem se casou, meros três meses depois do primeiro encontro. O Brasil encontrara uma digna rival na vida amorosa de Gildo.

Ao meio-dia de 22 de outubro de 1973, o jovem militante, marido e futuro pai, Gildo Lacerda foi preso na porta de sua casa. No mesmo instante, na frente d
o Elevador Lacerda, Mariluce, grávida de um mês de Tessa, foi apreendida pela repressão baiana. Naquela noite, já presos no prédio da Polícia Federal, Mariluce e Gildo trocaram os seus últimos olhares silenciosos de amor, pois palavras não lhes foram permitidas trocar. Nunca mais.

Em um dos infinitos dias que se seguiram, durante uma sessão de tortura, Mariluce, grávida, foi informada de que Gildo tinha feito uma longa viagem. Dias depois, lhe comunicaram que Gildo Lacerda não era mais. Transferido para o DOI-CODI de Recife, Gildo pereceu sob tortura nos porões da ditadura. Na versão oficial, porém, a morte desse jovem, cujo único crime foi ter-se apaixonado perdidamente por duas mulheres maravilhosas, Pátria e Mariluce, deu-se por meio de tiroteio com seus comparsas, os quais Gildo, outro "terrorista", teria supostamente delatado à polícia. Nesses tempos não bastava torturar e matar o inimigo, era preciso também desonrá-lo e salgar o seu genoma, para que dele não germinasse mais nenhuma outra paixão igual. No caso de Gildo, nem o seu corpo sem vida foi jamais devolvido à Marilu
ce, Tessa, e suas netas.

Mas por que - perguntariam os leitores - abrir essas feridas tão horrorosas e expô-las, assim, sem paliativos ou bálsamo para a dor excruciante que elas hão certamente de causar, novamente, tanto em indivíduos envolvidos intimamente com cada uma dessas tragédias humanas, como para toda a nossa nação? Até que os responsáveis por tais atos de barbárie sejam trazidos à luz da justiça nacional, como ocorre na Argentina, e respondam por seus crimes, não haverá outra forma aceitável de retribuir o sangue derramado por inúmeros bravos brasileiros, que, como Cabral e Gildo, pagaram um preço incomensurável por seus lindos devaneios de amor. Se essa justificativa não lhes basta, some-se a ela uma tão ou mais terrível. Não, eu não me refiro à humilhante sentença proferida pela Corte Interamericana
de Direitos Humanos, condenando o Brasil pelo descumprimento duplo da Convenção Americana de Direitos Humanos e, no processo, expondo a realidade que a mais alta instância da justiça brasileira deixou de cumprir, mais uma vez, o seu dever cívico e histórico para com o povo brasileiro.

Não, eu me refiro ao fato corriqueiro, conhecido de qualquer casal de namorados: que aquele que não retribui o amor sincero à altura, corre o sério risco de jamais ser novamente amado com a mesma intensidade.

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Miguel Nicolelis, o olhar inteligente e original sobre nossa cultura e seus personagens de um homem que, mais do que um dos maiores cientistas do mundo, é um brasileiro extraordinário, apaixonado pelo país. Ficou conhecido por fazer com que macacos movessem braços robóticos usando apenas a força do pensamento. Um marco para a ciência que poderá reabilitar pessoas com paralisia corporal e que foi listado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) como uma das dez tecnologias que podem mudar o mundo. Nicolelis também incentiva a formação de novos cientistas no Brasil. Ele é idealizador e diretor do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (RN) que, desde 2007, atende mais de mil crianças da rede pública de Natal e conta com uma filial em Serrinha (BA) para 400 alunos. Em Natal, Nicolelis se dedica a um projeto que deve entrar para a história da ciência. O desenvolvimento de uma roupa especial - resultado do consórcio Andar de Novo, formado por Brasil, Suíça, Estados Unidos e Alemanha -, que permitirá que um tetraplégico dê o "pontapé inicial" na abertura da Copa do Brasil, em 2014.
Atualmente Nicolelis também escreve na Revista Brasileiros, onde o texto "Da irreparável tragédia que foi morrer de amor pelo Brasil" foi publicado.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Ditadura "Cívico-Militar"?

Segundo os dicionários "cívico" significa:

1. Ref. à condição de cidadão (membro de um Estado) ou ao conjunto de cidadãos de um país.
2. Que é feito, realizado ou se manifesta em honra da pátria (espírito cívico; amor cívico); Patriótico. (antôn.: antipatriótico)

Cabem aqui algumas observações:

As ditaduras na America do Sul foram todas "civil-militar"  e não cívico-militar, ou seja, uma pequena parcela da sociedade representada por boa parte da elite e órgãos de imprensa, apoiou e ainda apóiam as ditaduras que ocorreram. Podemos até dizer que os militares são apenas “jagunços” desta parcela dominante da sociedade.

Aqui em nosso país nossa dificuldade está ligada diretamente a esta questão. Representantes desta elite estão “infiltrados” em todas as instituições do país, no legislativo, judiciário, executivo, e, é claro, nas forças armadas, ou alguém acha que o filho de um cidadão comum, é aceito em agulhas negras? Por isso temos essa grande dificuldade de discutir a nossa lei de anistia.

(publicado originalmento no blog "Cloaca News")

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Retrospectiva 2010: O sítio dos torturadores

Estamos em um período de democracia. Mas na história recente do país há uma época nebulosa. É o período da ditadura. Defensores dos Direitos Humanos dizem que militantes de esquerda foram torturados e mortos em um sítio perto de São Paulo. O repórter Rodrigo Vianna foi em busca deste segredo.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Ministra pede a aprovação da Comissão da Verdade

Projeto de lei prevê esclarecimento sobre mortos e desaparecidos na ditadura militar

Com status de ministra, a nova secretária de Direitos Humanos, Maria do Rosário, tomou posse prometendo avançar no processo de reconhecimento das violações contra os direitos humanos no período do regime militar. Ela pediu que o Congresso aprove a criação da Comissão da Verdade, que vai apurar informações sobre mortos e desaparecidos durante a ditadura.

Enviado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o projeto de lei está parado no Congresso desde maio do ano passado. Se aprovado, cria uma comissão para “promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior”.

“Faço um apelo à Câmara dos Deputados, poder de onde venho, e ao Senado Federal, com os quais quero manter uma relação de muita proximidade e respeito. Que façamos um bom e democrático debate e possamos aprovar o projeto de lei que cria a Comissão da Verdade”, afirmou. “Não queremos aqui fazer um embate entre parlamentares contra ou a favor da medida, mas resgatar a nossa História e contá-la de forma completa”.

A ministra Maria do Rosário acha importante dar “seguimento ao processo de reconhecimento da responsabilidade do Estado por graves violações de Direitos Humanos, com vistas à sua não repetição, com ênfase no período 1964-1985, de forma a caracterizar uma consistente virada de página sobre esse momento da história do país”. Disse também, “é mais do que chegada a hora de o país prestar esclarecimentos sobre mortes e desaparecimentos ocorridos durante a ditadura".
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País não pode ficar preso ao passado, diz o
general José Elito, sobre Comissão da Verdade, e afirma que regime militar deve ser visto como fato histórico.

Ao falar sobre a criação da Comissão da Verdade, que ficaria responsável por apurar violações dos direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar, o novo ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general José Elito Carvalho Siqueira, disse que "o Brasil não deve olhar para trás”.

A afirmação foi feita durante a cerimônia em que o general Siqueira assumiu o cargo, segunda-feira, 3, em Brasília.

"Não vamos ficar vendo situações do passado, pontuais, que não levam a nada. Temos que pensar para frente, na melhoria do nosso país, e podemos estar perdendo tempo, espaço e velocidade se ficarmos sendo pontuais em situações isoladas do passado".

O ministro-chefe disse, por sua vez, que o dia 31 de março de 1964, quando foi dado o golpe que deu início ao regime militar, deve ser tratado como um fato histórico.

"O movimento de 1964 já faz parte da história. Hoje, se nossos filhos e netos forem estudar em uma escola, vai estar lá o dia 31 de março como fato histórico. Temos de ver o 31 de março como um dado histórico para a nação, seja com prós e contras. Da mesma forma, os desaparecidos".

fontes:

http://odia.terra.com.br/portal/brasil/html/2011/1/ministra_pede_a_aprovacao_da_comissao_da_verdade_134865.html

http://noticias.r7.com/brasil/noticias/pais-nao-pode-ficar-preso-ao-passado-diz-ministro-sobre-comissao-da-verdade-20110103.html

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Receita de ano novo


Para você ganhar belíssimo Ano Novo

cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

(Carlos Drummond de Andrade)