segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O que tem por trás de certas afirmações?

Sempre que o assunto é "crime organizado", visto o que está acontecendo no Rio de Janeiro de hoje e o que aconteceu em São Paulo no dia das mães de 2006, a mídia cria uma dinâmica do medo a partir de absurdos sociológicos como o de afirmar que o “crime organizado” atual surgiu do encontro entre presos comuns e presos políticos pela ditadura nos anos 70, tentando vincular militantes de esquerda a traficantes de drogas, e separar a população em esquemas tipos “eles-nós”.
Porque essa necessidade em refletir a responsabilidade da existência do "crime organizado" aos presos políticos pela ditadura militar brasileira?

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Copa de 1970 e a máquina de propaganda do regime militar

Há quatro décadas a seleção brasileira conquistava o tri-campeonato de futebol mundial, no México. Sendo a primeira a almejar o título três vezes, desde que o campeonato fora estabelecido em 1930, tendo o direito de trazer para o solo brasileiro a taça Jules Rimet.

A seleção brasileira de futebol de 1970 foi considerada por muitos a maior de todos os tempos. Ao arrematar em apoteose a taça, tomou para si o estigma de um feito heróico, num espetáculo transmitido pela primeira vez para o povo brasileiro através da televisão. Com forte cobertura na mídia de então, a vitória da seleção brasileira em 1970 foi usada como instrumento de propaganda do regime militar. Nunca o futebol seria tão bem explorado como propaganda de um governo no Brasil como o foi em 1970. A taça Jules Rimet foi erguida pelo próprio presidente de então, General Emílio Garrastazu Médici.

1970 foi um dos anos mais tensos da história do Brasil e do próprio regime militar implantado em 1964. No ano anterior as guerrilhas urbanas eclodiram pelo país, o sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick pela esquerda oposicionista, revelou ao mundo o que até então os militares negavam veementemente, a existência de tortura no país. O ano da copa começou com outro sequestro da esquerda, a do cônsul do Japão Nobuo Okuchi. Iniciava-se uma sangrenta caça aos guerrilheiros. A finalidade era caçar a todos e eliminar, numa condenação à revelia a uma pena de morte pré-determinada.

Momentos antes do início do campeonato, João Saldanha, técnico que classificara a seleção para a copa, foi afastado por motivos políticos, sendo substituído por Mario Jorge Lobo Zagallo. Feitas as arestas ideológicas, o Brasil entrou em campo, eliminando todos os adversários, numa atuação antológica de um elenco luxuoso, com Pelé, Tostão, Rivelino, Jairzinho, Gérson, Carlos Alberto Torres e Clodoaldo.

Enquanto o povo delirava com os gols, a economia atingia o auge do que se chamou “Milagre Econômico”, mostrando um país "próspero e feliz". Nas celas os presos eram torturados, mortos e desaparecidos. Nas rádios o hino da copa ecoava para os noventa milhões de brasileiros: “Pra frente Brasil!”.

A máquina de propaganda do regime militar nunca foi tão bem-sucedida como naquele ano, tendo como elemento principal a vitória da seleção, e a imagem heróica dos seus jogadores. Comparado a história contemporânea, o uso da imagem da seleção brasileira do tri-campeonato só perdeu para a propaganda do regime nazista, nas Olimpíadas de Berlim, em 1936.

Escrito por Jeocaz Lee-Meddi
texto na íntegra no site:
http://jeocaz.wordpress.com/2010/06/07/copa-de-1970-e-a-ditadura-militar/

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Censura e Cinema no Brasil da ditadura

Quando em 1990 os arquivos da censura foram abertos, além do bafo amargo de um período de menosprezo as criações artísticas, a livre manifestação, a informação e principalmente aos sonhos e a vida, exalou também que a censura era muito bem estruturada e cumpria função estratégica no regime militar. Os censores eram preparados para interpretar mensagens políticas, participavam de cursos onde examinavam criteriosamente filmes de cineastas tidos como subversivos, como Godard, Truffaut, Pasolini e Antonioni, alguns até estudaram cinema em universidades para não deixar escapar nenhuma técnica velada que identificasse subversão.

Antes do golpe de 1964 a censura já existia, mas limitava-se a classificar os filmes por faixa etária. Depois do golpe ela é moldada a servir aos interesses do regime com uma atuação moralista, cortando palavrões, cenas libidinosas, exposição do corpo. Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, por exemplo, foi proibido para menores de 18 anos, mas não sofreu cortes, no parecer do censor não há qualquer alusão a mensagens políticas no filme.

De 1967 a 1968 ocorre a militarização da censura, que com o decreto AI-5 se torna totalmente ostensiva e implacável, com atuação de censores da alta patente, generais e coronéis com seus olhares totalmente fincados na preservação do estado repressor, onde qualquer manifestação contrária representava um atentado à segurança nacional. O AI-5 institui uma censura mais ferrenha nas artes, principalmente no cinema, cerceando a liberdade de expressão e criação artística dos cineastas. A proibição de filmes se torna prática comum.

Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha, foi proibido em todo território nacional por ser considerado subversivo e irreverente, a censora que o avaliou fez um relatório político e contundente onde destaca a frase que considera ameaça ao estado: A praça é do povo e o céu é do condor.

Macunaíma (1969), dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, baseado na obra de Mário de Andrade, também foi proibido, o censor identifica na roupa de uma personagem o símbolo da Aliança para o Progresso - organização voltada para a América Latina criada pelo presidente americano John Kennedy e contestada pelo regime militar - e manda apagar a cena.

Nesse universo de censores preparados para matar qualquer ideia que julgassem impertinente ao estado repressor que eles representavam, tudo era julgado e muita criação condenada. Em 1972, o cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão, foi assombrado não apenas com a proibição, mas com a explosão irada de sua censora que declarou em sua justificativa pela não liberação do filme À meia-noite encarnarei em teu cadáver: "Se não fugisse à minha alçada, seria o caso de sugerir a prisão do produtor pelo assassinato à Sétima Arte, pois não foi outra coisa que ele realizou ao rodar o presente filme".

Na abertura política iniciada em 1975, a censura toma novos rumos. Filmes que antes seriam esfacelados começam a ser liberados sem ou com poucos cortes para o cinema. O alvo passou a ser outro: a TV. Eles perceberam que o público do cinema era restrito e que o controle precisava ser feito sobre a televisão, que chegava a todos os lugares e a todas as pessoas. Um caso exemplar é o de Pixote, rodado em 1980, por Hector Babenco e só liberado para a TV cinco anos depois, com 38 cenas censuradas.

Como disse o crítico francês Georges Sadoul: “Façam seus filmes, como for possível. Não parem. Porque um dia isso vai passar, e nesse dia seus filmes estarão lá, para contar essa história”.

Vale lembrar que os cortes eram feitos nas cópias. Com os originais preservados, a partir de 1988, com o fim da censura, os filmes puderam ser exibidos em sua íntegra e desfrutarem da apreciação do público, que é quem tem por direito gostar ou não de uma criação artística.

El Justicero (1963), de Nelson Pereira dos Santos, é um caso raro de filme que teve até os negativos confiscados. Por anos, o cineasta deu El Justicero como perdido, até que soube que havia uma cópia em 16 mm na Itália, para onde tinha sido levada pelo cineasta David Neves.

A censura foi uma das mais poderosas armas de sustentação da ditadura militar brasileira. Competente e incisiva fez valer a vontade do regime militar. Calou, frustrou, destruiu impiedosamente caminhos almejados de muita gente e com isso controlou o público do que ele poderia ter ou não acesso.

"Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em um cofre não se guarda coisa alguma. Em cofre perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema".
Antonio Cícero


Fontes: Leonor Souza Pinto e Denise Assis

sábado, 13 de novembro de 2010

DAN MITRIONE, o mestre da tortura

Pouquíssimas pessoas sabem quem foi Dan Mitrione, homenageado com o nome de uma rua em Belo Horizonte no início dos anos 1970. A homenagem, sabe-se agora, fez parte de um plano para mascarar a biografia do torturador ítalo-americano que a ditadura militar trouxe, num convênio com a CIA, para ministrar aulas de tortura aos policiais brasileiros. E ele veio justamente para a capital mineira. Os espancamentos de presos políticos, que já eram a prática com os presos comuns (e continuam), passaram à condição de “método científico” com a chegada do “mestre”. As aulas não eram somente sobre a contradição entre corpo e espírito, entre fidelidade e resistência, entre caráter e covardia. As aulas eram práticas. Mendigos e presos comuns eram seviciados em salas de aulas para mostrar aos alunos os pontos mais vulneráveis do corpo, as técnicas mais eficientes, os instrumentos mais adequados, o limite depois do qual o risco de matar o preso era iminente.

Estes tempos tristes estão sendo esquecidos e o hediondo crime de tortura, embora imprescritível e inafiançável, pode ser anistiado desde que o STF assim o entenda. As coligações políticas entre defensores da tortura (e até torturadores remanescentes) e antigos lutadores pela liberdade e pela justiça começam a ficar comuns para a conquista ou manutenção do poder. Esta volúpia pelo poder, que despreza a ética e os princípios, terá como primeira vítima a liberdade. Sempre foi assim em todas as autocracias. Quando nos esquecemos dos horrores da ditadura, quando eles vão ficando mais distantes no tempo é que o pêndulo começa a se movimentar na direção do autoritarismo. A experiência dos que sofreram é confundida com atraso em um mundo que caminha cada vez mais rapidamente em direção a uma “pós modernidade”, depois da qual pode restar apenas um planeta morto. Os que foram vítimas dos ensinamentos de Dan Mitrione, aqui e no Uruguai, sabem que liberdade (“essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda” Cecília Meireles) é mais importante que o consumismo, o resultado de bolsas de valores, a cotação de moedas estrangeiras, o humor do mercado.

Dan Mitrione foi ensinar tortura no Uruguai. Os Tupamaros o prenderam para trocá-lo por presos políticos da ditadura de lá. Ante a recusa dos militares uruguaios, foi justiçado. O nome de rua em Belo Horizonte foi a pedido dos americanos que queriam transformar o torturador em herói. Não conseguiram.

Em 1983, por iniciativa de Artur Viana e Helena Greco, vereadores na época, o nome da rua foi mudado para José Carlos Mata-Machado, jovem lutador pela liberdade, assassinado sob tortura (talvez com as técnicas ensinadas por Mitrione) nos porões da ditadura em Pernambuco. Era filho do inesquecível Prof. Edgar Mata-Machado. Belo Horizonte foi redimida e ficou mais limpa. A inauguração da nova placa foi uma festa. Eu estava lá. E não me esqueço.

Texto de Antônio de Faria Lopes, postado no site de Fernando Massote
http://massote.pro.br/2010/06/dan-mitrione-antonio-de-faria-lopes/

Fernando Massote iniciou os seus estudos de filosofia e política na Universidade Católica de Louvain (Bélgica) e os terminou, com o curso de doutorado, na Universidade de Urbino (Itália). É professor aposentado do Departamento de Ciência Política da UFMG e autor do livro “História pela Metade – Cenários de Política Contemporânea”.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Produzindo Esquecimento: histórias negadas

de Cecília Maria Bouças Coimbra

"Tornar-se senhores da memória e do
esquecimento é uma das grandes preocupações
das classes, dos grupos, dos indivíduos que
dominaram e dominam as sociedades".
Ana Paula Goulart Ribeiro


Alguns Dispositivos na Produção do Esquecimento

1. História e Mídia

…o processo de estruturação da memória coletiva é um dos mais sensíveis às disputas e aos confrontos dos diferentes grupos sociais. Como já assinalamos, a "história oficial" tem selecionado e ordenado os fatos segundo alguns critérios e interesses construindo, assim, "zonas de sombras, silêncios, esquecimentos, repressões".
Todo e qualquer acontecimento que hoje não se faça presente nos mass-media não existiu, não aconteceu, está fora da memória histórica que está sendo registrada e guardada pelos diferentes equipamentos sociais. Não está sendo relegado somente ao esquecimento; o que é pior, passa a não existir.
"Toda propaganda deve ser tão popular e ter nível intelectual que até mesmo o mais ignorante daqueles para a qual ela é dirigida possa entendê-la. Pode-se fazer com que as pessoas percebam o paraíso como inferno e, no sentido oposto, que considerem a forma mais vil de vida como o paraíso". (palavras de Adolf Hitler)

2. As Mortes Por "Acidente"

Uma "outra" história que também tem sido contada, narrada e registrada refere-se às mortes dos opositores políticos. De um modo geral, as versões oficiais da ditadura militar brasileira para os assassinatos perpetrados diziam respeito às mortes por resistência à prisão, por atropelamento ou por suicídio. Assim, oficialmente todos os militantes políticos assassinados foram efetivamente mortos "acidentalmente". Para coroar esse processo de negação histórica, a ditadura contou com o apoio técnico de vários médicos legistas que respaldaram com seus laudos as versões oficiais da repressão. Nesses documentos oficiais as causa-mortis foram registradas como reação à prisão, atropelamento, ou suicídio, pois em nenhum momento foram descritas as marcas de torturas presentes nos corpos desses opositores políticos.

3. A Figura do Desaparecido Político

O desaparecimento de pessoas ocultação de seus restos mortais e circunstâncias em que se deram suas mortes tem se caracterizado por ser uma das mais perversas práticas de tortura sobre seus familiares e amigos, pois para a "história oficial" essas pessoas estão vivas e para as autoridades são "foragidas" da justiça. Ou seja, apesar de terem sido seqüestradas, torturadas e assassinadas pelos órgãos de repressão, as autoridades governamentais jamais assumiram suas prisões ou mortes oficialmente.
Em uma sociedade com desaparecidos, com práticas sistemáticas de extermínio e violação dos mais elementares direitos estão presentes não somente os danos causados diretamente aos atingidos e aos seus familiares. Também estão sendo produzidas cotidianamente práticas de conivência, cumplicidade, submissão, medo, omissão, autocensura e, principalmente, esquecimento.
Ao mesmo tempo em que institucionalizava a tortura e a figura do desaparecido político no Brasil e na América Latina, alastrava-se e naturalizava-se a categoria de "indigente" (No Brasil o termo "indigente" refere-se àqueles que, por não serem identificados e reclamados por suas famílias, são enterrados em covas rasas como "desconhecidos".) No Brasil, esta categoria passou a ser produzida não somente por meio dos órgãos de repressão política, mas também, pela atuação dos chamados Esquadrões da Morte. Estes, nos anos 50 e, principalmente, após o golpe militar de 64 e no início da década de 70, no Rio de Janeiro e em São Paulo, fortaleceram-se como instrumentos para "diminuir" os índices de criminalidade entre as populações marginalizadas das periferias das grandes cidades.
A produção da instituição "indigência" que, dentre outras coisas, tem massacrado a cidadania, retirando a identidade dos opositores políticos ou não, está comprovada pelos números de ossadas encontradas nas pesquisas realizadas por diferentes entidades de direitos humanos no Brasil.

"falar a esse respeito forçar a rede de informação institucional, nomear, dizer quem fez, o que fez, denunciar o alvo é a primeira inversão de poder, é um primeiro passo para outras lutas contra o poder" (Foucault, M. e Deleuze, G. - "Os Intelectuais e o Poder")


Leiam o texto na íntegra em: http://www.slab.uff.br/textos/texto65.pdf